O Início da Jornada Live-Action da Disney
A relação da Disney com o formato live-action começou com o pouco lembrado A Ilha do Tesouro, lançado em 1950. Apesar de não ter ganhado tanto destaque na época, o filme foi o primeiro passo da empresa em direção à adaptação de suas obras por meio de atores reais e cenários realistas. Décadas depois, esse caminho seria trilhado com muito mais impacto.
Ainda assim, muitos acreditam que o marco inicial desse processo foi Mogli: O Menino Lobo, lançado em 2016, que se destacou mundialmente, arrecadando mais de US$966 milhões com um orçamento de US$175 milhões, consolidando o formato como um sucesso de público e crítica.
Nos últimos anos, porém, as adaptações live-action têm despertado debates mais profundos que vão além dos números de bilheteria. Surgem perguntas importantes: é necessário seguir fielmente o enredo original? E quanto à representatividade — personagens podem ou devem ser adaptados para incluir outras etnias, raças, gêneros ou orientações sexuais? Como equilibrar a valorização da diversidade com o respeito à essência da obra original?
Nesta reportagem, vamos mergulhar nesse debate. Analisaremos como a indústria cinematográfica tem abordado essas transformações, os impactos culturais que elas provocam e de que forma a representatividade nas telas contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva — sem deixar de lado a magia dos clássicos que marcaram gerações.
O Peso da Nostalgia e as Expectativas do Público
Com cada nova adaptação, surge uma tensão entre dois extremos: de um lado, os fãs que esperam uma fidelidade quase religiosa à obra original; do outro, um público mais jovem, atento às discussões contemporâneas sobre diversidade, inclusão e representatividade. A nostalgia cobra uma narrativa que “honre o passado”, enquanto o presente exige um olhar mais amplo, condizente com a pluralidade do mundo atual.
Um exemplo emblemático dessa disputa foi o live-action de A Pequena Sereia (2023). Desde o anúncio do elenco, o filme enfrentou uma onda de críticas nas redes sociais. O principal alvo foi a escolha de Halle Bailey, uma mulher negra, para interpretar Ariel — personagem que, na animação original, era retratada como branca, com cabelos ruivos. Críticas que, em muitos casos, ultrapassam o campo estético e revelaram um viés racista disfarçado de “fidelidade ao original”.
Ainda assim, a produção seguiu firme. Halle Bailey não apenas manteve seu papel, como entregou uma performance elogiada pela crítica e pelo público. O filme arrecadou cerca de US$570 milhões mundialmente, provando que a representatividade, longe de ser um problema, é uma potência — capaz de renovar clássicos e tocar novas gerações.
Samuel Duarte, diretor de arte e colaborador no projeto Comportas Espantalho, Último Verso de um Poema Sobre Amor — idealizado e produzido pelo coletivo Língua de Gato — também compartilhou sua visão sobre as adaptações live-action e o papel da representatividade nas produções contemporâneas.
A mostra faz parte da contrapartida cultural de três obras contempladas pelo Edital 001/2023 da Lei Paulo Gustavo (LPG), realizado pela Secretaria de Cultura, Turismo e Esporte da Prefeitura de Viçosa (MG), em que o coletivo atuou como produtor.
Em entrevista, Samuel refletiu:
“Pra mim, os live-actions e as adaptações carregam memórias afetivas e nostálgicas dos pais. Existe esse desejo de que os filhos possam viver as mesmas emoções e sensações que eles sentiram ao assistir às animações originais.”
Para ele, no entanto, não basta apenas reviver essas histórias: é essencial atualizá-las para o presente.
“Ver uma sereia negra, um personagem LGBT ou outras representações da diversidade é mais do que necessário — é uma obrigação das animações e adaptações reconhecerem que os tempos mudaram. Esses personagens precisam estar nas histórias.”
Samuel ainda reforçou que a presença dessas figuras não é apenas simbólica, mas profundamente significativa:
“Sou totalmente a favor dessas mudanças. Elas são importantes para o público infantil de hoje e também para aquela criança negra ou LGBT dos anos 2000, que assistia aos desenhos, mas não conseguia se ver representada neles.”
A Visão de Kedylla: Nostalgia, Desafios e Representatividade
Kedylla, diretora de audiovisual do CineCom, oferece uma perspectiva complementar sobre o fenômeno dos live-actions. Para ela, essas produções despertam uma forte carga emocional, mas também enfrentam obstáculos importantes — como o equilíbrio entre inovação e fidelidade à obra original.
Um exemplo disso, segundo Kedylla, é Mulan, cuja ausência de elementos icônicos causou estranhamento e distanciamento em relação à animação original.
A diretora destaca ainda a importância das adaptações na ampliação da representatividade. Ela elogia a escolha de Halle Bailey como Ariel, apontando a mudança como um avanço no combate a padrões eurocêntricos de beleza. Também celebra a evolução do papel das princesas, como Jasmine e Tiana, que agora protagonizam suas próprias jornadas, além da autocrítica em WiFi Ralph à ideia tradicional do “príncipe salvador”.
Para Kedylla, a Disney tem o potencial de ir além da nostalgia e usar sua influência global para moldar valores e ampliar horizontes. Ela defende investimentos em produções que abordam temas contemporâneos como saúde mental, diversidade LGBTQIA+ e inclusão racial — tanto nos live-actions quanto nas animações originais.
No vídeo a seguir, mergulhe nas opiniões e experiências de Kedylla sobre como a magia da Disney se adapta aos novos tempos e o impacto que essas transformações têm em nossa sociedade.
Feito por Wallace Dias, Kamilly Pires e Ana Luiza Oliveira.