Desde sua Criação há 24 anos a Agência Nacional do Cinema a (ANCINE) enfrenta diversas polêmicas relacionadas ao seu funcionamento, mas o tema que se mantém ativo entre os produtores, seja de projetos de tamanho internacional ou de distribuição nacional é a prestação de contas.
No lugar de técnicos analisando cada nota fiscal de todos os projetos manualmente foi introduzido o projeto malha fina. com a utilização de sistemas de inteligência artificial fazendo o cruzamento dos dados bancários dos projetos audiovisuais, a força tarefa criada em 2024 em parceria com a Controladoria- Geral da Unão (CGU), vem com a missão de reduzir filas de espera, verificar padrões e separar rapidamente o uso de modo mais eficiente do dinheiro público e quais projetos precisam ser revisados com maior atenção
Mas quando o projeto finalmente abriu as gavetas desse arquivo estagnado, descobriu-se que grande parte da fila não escondia crimes, e sim documentos faltando, detalhes formais e inconsistências simples, acumuladas ao longo de anos.

A agência revisou 5.358 processos, número que representa mais de 10 anos de pendências. Do total, 4.387 foram finalmente saneados e, em cerca de 70% deles, a classificação final foi “baixo risco”. A descoberta desmontou a narrativa alarmista de que a Malha Fina seria um filtro de irregularidades graves. O que ela escondia, de fato, era um acúmulo de burocracias que se tornaram maiores do que o próprio setor conseguia suportar.
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Fonte: ANCINE
Mesmo com o esforço concentrado para limpar o estoque, 971 processos ainda seguem parados, formando o último núcleo da fila. Outro dado mostra o impacto do atraso: 760 processos prescreveram, ou seja, perderam o prazo legal para cobrança de eventuais falhas. A prescrição não significa que havia problema, mas que o Estado demorou tanto para avaliar que agora já não pode agir.
A “Malha” do Passivo
Cada quadrado abaixo representa aproximadamente 17 processos.
Veja como a fila se divide entre a espera e a perda total.
Fonte: ANCINE
Para quem vive a rotina de produção, a fila invisível deixa marcas profundas. Graduado em Cinema Audiovisual pela UNA, em Belo Horizonte, Pedro Salomé é produtor independente, da cidade de Ponte Nova (MG). Ele não teve a experiência de ter um projeto pela ANCINE, porém, ainda assim, teve dois projetos aprovados por financiamento por editais públicos.
Pedro também diz que, para projetos maiores, o medo é maior, pois se algum erro acontece no processo de criação dos projetos e algo falta, esse projeto pode ser travado, perder o financiamento e, no caso da prestação de contas, o produtor pode ser obrigado a devolver o valor do financiamento.
Casos como esse se repetem no setor. Em meio a prazos curtos de produção e orçamentos apertados, a burocracia acaba se tornando um obstáculo tão desafiador quanto captar recursos ou aprovar roteiros. No mundo do audiovisual, a lentidão administrativa é um fator econômico, e até emocional, para quem tenta sobreviver produzindo cultura no Brasil.
Cyntia Bittencourt, advogada formada na Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), reforça que o problema não é a exigência de prestar contas, até porque isso é fundamental. O problema é a desproporção: processos de naturezas totalmente diferentes recebiam o mesmo peso, exigindo o mesmo volume de documentos, o mesmo tipo de análise e o mesmo nível de detalhamento.
Porque, toda legislação vem imposta uma burocracia a ser seguida, uma uma ordem a ser seguida. E no tema de audiovisual, tem várias leis especiais, medidas provisórias.
Então, tudo isso gera a sua adaptação à lei, a sequência da burocracia, das medidas impostas, eu acredito que aplica-se, inclusive na questão de processos antigos e tem essa transição da legislação, também dá acontece uma demora na nos processos porque se eu tenho um processo e a lei mudou durante esse período, então tem essa transição da lei também.
A Malha Fina se tornou um gargalo mais por desenho institucional do que por irregularidades reais. A maioria dos processos não apresentava nenhum risco real ao erário. O sistema tratava como suspeita uma simples ausência de comprovante ou uma duplicidade formal. Isso gera paralisia, não transparência.
Dentro da própria ANCINE, é possível notar os problemas estruturais para o acúmulo: falta de padronização nas regras ao longo dos anos, equipes reduzidas e sucessivas mudanças políticas que interferem no funcionamento do órgão. A força-tarefa, nesse sentido, foi tanto uma operação de limpeza quanto uma tentativa de reconstruir a confiança entre a agência e o setor.
A força-tarefa permitiu que a fila fosse finalmente compreendida em sua real dimensão. Mas compreender não basta. O desafio agora é evitar que ela se forme novamente, criar mecanismos de análise por risco, reduzir burocracias e utilizar modelos automatizados, estratégias adotadas em países onde o audiovisual é altamente regulado e, ainda assim, eficiente.
Porque, se existe uma certeza após anos de acúmulo, é esta: o problema não era o setor em si, mas a forma como o Estado o tratava. E enquanto essa lógica não mudar, novas filas invisíveis continuarão surgindo, sempre à sombra do cinema brasileiro.
https://www.gov.br/ancine/pt-br/assuntos/atribuicoes-ancine/fomento/prestacao-de-contas/malha-fina
Por: Amanda Dutra, Maria Anthônia Castro e Sofia Fernandes