Viçosa é conhecida como uma cidade universitária e pequena, mas nos últimos 50 anos, ela cresceu e se desenvolveu pra cima, adotando características que lembram um centro urbano de médio porte. Segundo os dados do IBGE, quase metade dos domicílios do município é composta por apartamentos, um padrão raro entre cidades pequenas de Minas Gerais. A presença da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a forte demanda por moradias estudantis estão entre os principais fatores que explicam essa transformação no território.
Apesar de ser um município de porte pequeno, Viçosa apresenta um perfil habitacional que destoa do padrão mineiro. Os dados do IBGE mostram que a cidade concentra uma quantidade expressiva de apartamentos, característica mais comum de centros urbanos maiores e de regiões metropolitanas. Essa configuração indica um processo de adensamento incomum para cidades do interior e reforça a influência direta da comunidade universitária na ocupação do território.
Os números ajudam a visualizar essa singularidade: Viçosa possui pouco mais de 29 mil domicílios, dos quais quase metade é formada por apartamentos. Em contraste, o número de casas tradicionais fica praticamente no mesmo patamar. Além disso, a cidade apresenta índices muito baixos de moradias precárias, como cortiços e estruturas degradadas, o que também aponta para um mercado imobiliário voltado principalmente para estudantes e trabalhadores da UFV.
A seguir, uma visualização mostra a distribuição dos tipos de moradia no município, destacando como esse padrão se diferencia do restante de Minas Gerais.
A expansão da UFV nas últimas cinco décadas e o crescente prestígio da instituição criou uma demanda contínua por moradia. Porém, diferentemente de um processo normal, no qual a expansão urbana costuma ocorrer primeiro com casas, os edifícios residenciais começaram a se amontoar desde as regiões mais próximas à universidade até os morros mais distantes, formando um cinturão vertical que mudou a paisagem da cidade.
“A Universidade foi crescendo aos poucos e ela viveu de alguns momentos em que criaram vários cursos. Quando você cria novos cursos, você gera demanda para o setor da construção civil. E os construtores de Viçosa falam: ‘Enquanto a universidade mandar estudantes, a gente vai construir’.” – Ítalo Stephan, professor de arquitetura e urbanismo
De todos os mais de 29 mil domicílios de Viçosa, 13.072 são contabilizados como apartamentos. Para os viçosenses, isso pode parecer normal, mas a comparação com outras cidades universitárias de porte semelhante revela que esse não é o padrão: nenhuma das cidades analisadas chega a 5 mil apartamentos, mesmo tendo número total de moradias inferior ao de Viçosa.
Até mesmo municípios da região de porte semelhante não acompanham esse movimento. Ubá, Muriaé e Manhuaçu, todas com quantidades de domicílio na faixa de 30 a 35 mil, apresentam números muito menores de apartamentos e não superam Viçosa, mesmo sendo maiores em população e extensão urbana.
A alta presença de apartamentos e o baixo percentual de moradias precárias são indicativos da forte influência da população universitária e da demanda por habitação formal.
Onde Viçosa destoa?
Viçosa tem proporção de apartamentos muito acima da média de cidades do mesmo porte e até de outras cidades universitárias. Além disso, é a 6ª cidade do país com maior proporção de moradores em apartamentos em relação ao total de habitantes.
O que a proporção de apartamentos diz sobre o mercado imobiliário local?
Revela um mercado voltado especialmente para estudantes, com grande oferta de studios, kitnets e prédios compactos.
Há moradia precária no município?
Sim, mas em baixa quantidade: apenas 12 cortiços e 58 estruturas degradadas, números muito inferiores aos de cidades similares.
O número de casas em vilas/condomínios está ligado à busca por segurança?
Sim. Esse tipo de moradia cresceu para atender estudantes e famílias que buscam ambientes fechados e considerados mais seguros.
A cidade está se adensando sem expandir horizontalmente?
Sim. A verticalização está concentrada principalmente na região central e bairros próximos à UFV, indicando adensamento acelerado.
Para entender a transformação urbana de Viçosa, Ítalo Stephan, arquiteto, urbanista e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFV, contou como o crescimento da universidade moldou o desenho da cidade. Com anos de pesquisa sobre morfologia urbana, expansão imobiliária e dinâmicas territoriais em cidades de pequeno e médio porte, sua análise conecta economia e urbanismo, explicando por que a verticalização acelerou e por que ela nem sempre veio acompanhada de planejamento.
E sobre o impacto econômico da verticalização e das mudanças recentes no mercado imobiliário de Viçosa, convidamos Ramon Fernandes, Secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico, para trazer sua visão que une gestão pública, mercado e planejamento, revelando os movimentos menos visíveis por trás da expansão urbana. À frente das políticas de atração de investimentos e do diálogo direto com setores como construção civil, comércio e serviços, Ramon acompanha em tempo real como a cidade se adapta ao crescimento impulsionado pela comunidade acadêmica.
A verticalização em Viçosa não é apenas um fenômeno arquitetônico. É um processo histórico, social e econômico, que reconfigura relações sociais, pressiona a economia e impacta diretamente na vida dos cidadãos, alterando preços, circulação, mobilidade e até o comércio local. Farmácias, padarias e mercados se concentram em áreas de alta densid0ade estudantil, reforçando um ciclo de adensamento que se retroalimenta.
- Aumento do aluguel
Nos bairros mais próximos à UFV (Centro, Ramos, Silvestre, Fátima) o valor do metro quadrado ganhou velocidade própria. Imóveis que há alguns anos eram considerados acessíveis para estudantes passaram a disputar espaço com studios e kitnets recém-construídos, elevando o preço de referência para toda a região. Famílias que viviam há décadas nesses bairros começaram a migrar para áreas mais periféricas, deslocadas por um mercado que responde rapidamente à demanda universitária. - Aumento do trânsito
Mais prédios significam mais gente, mais carros e menos fluidez. O trânsito, antes concentrado em horários fixos, agora se estende por janelas maiores do dia. Ruas estreitas, pensadas para um fluxo que já não existe, convivem com carros, motocicletas, entregadores e pedestres disputando centímetros de espaço. A infraestrutura viária não cresceu na mesma velocidade da densidade populacional. - Construtoras investindo em kitnets e studios
Os novos empreendimentos seguem uma lógica clara: projetos menores, de rápida ocupação e alta rentabilidade. As construtoras perceberam que o estudante, público majoritário, busca praticidade, não metragem. Essa tendência cria um padrão repetitivo de unidades compactas, que multiplicam o adensamento sem necessariamente gerar espaços coletivos, áreas verdes ou equipamentos urbanos que equilibrem o impacto gerado. - Transformação de casas antigas em prédios
A cidade vive um processo de substituição silenciosa. Casas que carregavam a memória de uma Viçosa mais horizontal estão sendo demolidas ou vendidas para dar lugar a edifícios de vários andares. A mudança não é apenas física: ela altera a dinâmica das ruas, modifica quem circula por elas e ressignifica a identidade do bairro. O que antes era um território residencial se transformou em uma zona de passagem, consumo e moradia temporária.
Bairros mais afetados: Centro, Silvestre, Fátima, Ramos
Essas regiões concentram as maiores pressões, com alta valorização imobiliária, redução de casas unifamiliares, disputa por vagas de estacionamento, comércio voltado quase exclusivamente ao público jovem e uma sensação crescente de que a vida local se tornou intensiva, acelerada e comprimida.
A transformação urbana de Viçosa só ganha sentido quando enxergada em escala ampliada. Os dados da Tabela 6326 do IBGE (dados do estado) mostram um cenário claro:
“Minas Gerais é, essencialmente, um estado de casas. Fora das regiões metropolitanas, o padrão dominante é o da residência unifamiliar, térrea ou de dois pavimentos, em bairros de baixa densidade. A presença de apartamentos é residual, muitas vezes restrita a áreas centrais de cidades médias.”
É justamente nesse panorama que Viçosa destoa. Enquanto boa parte dos municípios mineiros preserva um perfil horizontal, Viçosa exibe um ecossistema verticalizado incomum para cidades de seu porte. O contraste é tão forte que coloca o município em um grupo bastante restrito.
Apenas algumas cidades universitárias de grande porte, como Uberlândia e Juiz de Fora, apresentam padrões de verticalização proporcionalmente semelhantes. Fora isso, só centros metropolitanos, como Belo Horizonte e sua região, replicam essa concentração de apartamentos.
Esse descolamento estatístico confirma algo que moradores já percebem intuitivamente: Viçosa não cresceu como uma cidade típica do interior de Minas.
A cidade cresceu e se desenvolveu como um polo estudantil, guiado pela presença massiva da UFV, por sua economia e pelas necessidades habitacionais de um público rotativo, jovem e numeroso, se tornando um ponto fora da curva se comparada às demais cidades da região.
Esse contraste ilustra o que as estatísticas revelam. Minas Gerais mostra participação baixa de apartamentos no total de domicílios e Viçosa, por sua vez, se aproxima do padrão metropolitano, com uma presença muito superior de cidades desse tipo.
A UFV redesenha a paisagem de Viçosa há décadas, mas os dados do IBGE mostram como essa transformação se materializa no território. O padrão de moradia revela uma cidade que cresceu para cima antes de crescer para os lados, impulsionada pela demanda estudantil e pela expansão da universidade.
Esse movimento traz desafios importantes: mobilidade pressionada, preços elevados, mudanças no comércio e reconfiguração da vida nos bairros. Entender a verticalização de Viçosa é entender como a UFV molda o espaço urbano e o futuro do município.