Mundo em Ebulição: Como Aceleramos o Aquecimento Global

Rian Gama, 23 anos, natural de São João do Meriti (RJ) e estudante de Letras na Universidade Federal de Viçosa, acorda às oito da manhã — mas o calor já está lá, colado à pele, como se tivesse passado a noite inteira velando seu sono. No canto do quarto, o ventilador gira incansável, empurrando um ar morno que não refresca ninguém.

No ponto de ônibus, a manhã já parece meio-dia. Ele sente as gotas de suor surgindo em sua pele pouco depois do transporte chegar. O abafamento em meio a lotação é a lembrança de que o verão deixou de ser uma estação e se tornou um estado permanente.

Na escola que trabalha, a sensação é a mesma. A sala apertada, o ventilador lutando contra o impossível, os alunos se abanando com cadernos, estojos, qualquer coisa que consiga produzir um vento mínimo. Eles reclamam entre uma aula e outra, não só da temperatura que não para de subir, mas também do cansaço que vem com ela.

Quando chega a hora do almoço, ele faz o caminho habitual: atravessa a reta da Universidade Federal de Viçosa debaixo de um sol que parece queimar sua pele, mesmo depois de passar protetor solar. Depois de comer, quando precisa cumprir com suas responsabilidades e estudar, percebe que não consegue manter o foco. O calor vai dominando o ambiente e moldando seu humor, que se esgota bem antes do dia terminar.

À noite, no caminho para as aulas, ele tem a esperança de que finalmente uma brisa apareça. Mas, na sala, percebe que o calor permanece ali, abafado e teimoso, sem respeitar a lógica das horas. E quando finalmente chega em casa e se deita para dormir, tudo que resta é torcer para que o próximo dia seja um pouco menos quente.

O que Rian vive não é exceção, é um sintoma. Em cada região, em cada cidade, em cada ônibus abafado, milhares de brasileiros sentem na pele as marcas de um país que esquenta mais a cada ano. Nada disso é ao acaso. É o resultado do aquecimento global, que deixou de ser uma previsão para se tornar realidade.

O que é o aquecimento global?

O aquecimento global é um dos maiores desafios que a humanidade enfrenta e se refere ao aumento gradual das temperaturas da Terra. O principal causador desse fenômeno é a emissão dos gases de efeito estufa, entre eles o dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₄) e óxidos de nitrogênio (NOₓ). As taxas de emissão desses gases vêm crescendo desde a revolução industrial, com a queima de combustíveis fósseis, o desmatamento e a pecuária intensiva.

Segundo o Relatório Anual da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), a temperatura média da Terra aumentava cerca de 0,11° Fahrenheit (0,06°C) por década entre 1850 e 1982, aproximadamente 2°F ao longo de todo o período. Desde então, essa taxa triplicou, atingindo 0,36°F (0,20°C) por década e acelerando o ritmo do aquecimento global.

Mas o aquecimento global vai além do simples aumento de temperatura. Ele desencadeia uma cadeia de efeitos que incluem enchentes mais frequentes, secas prolongadas e o derretimento de geleira, que contribui para o aumento do nível dos oceanos.

Aquecimento global aumenta períodos sem gelo no Ártico e traz ameaça de fome para ursos polares — Foto: Andreas Weith

Os impactos

Essas alterações climáticas impactam de maneira direta a fauna e flora por toda extensão global. As condições climáticas são determinantes no desenvolvimento e na reprodução dos organismos vivos, assim as espécies são fortemente influenciadas pelo clima para que consigam completar seu ciclo de vida.

A temperatura média do ar e dos oceanos está aumentando em um ritmo mais acelerado do que as espécies são capazes de acompanhar. Isso coloca os integrantes da fauna e da flora em risco iminente.

A Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas, feita pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN, em suas siglas em inglês), inclui agora 48.600 espécies ameaçadas de extinção das 150.388.

De acordo com o relatório anual dos Centros Nacionais de Informação Ambiental da NOAA, 2024 foi o ano mais quente desde o início dos registros globais em 1850. A temperatura média global da superfície foi 1,29ºC acima da média do século XX (13,9ºC).

Emissão de gases efeito estufa

Em números, gráficos e relatórios, o aquecimento global parece um fenômeno enorme e abstrato. Mas suas consequências escapam das estatísticas e se materializam no dia a dia. No calor que aperta, nas chuvas que transbordam, no desequilíbrio dos biomas e na vida de milhões de pessoas. O planeta está mudando rápido demais, e nós estamos sentindo isso na pele.

Em uma escala global, as emissões de gases efeito estufa seguem concentradas em poucos países, liderados por China, Estados Unidos e Índia, que juntos correspondem a mais da metade do total de emissões. Esses números não refletem somente o tamanho das economias, mas um processo intensivo em setores como o de energia, indústria e transportes, os principais responsáveis pelos gases de efeito estufa.

Quando se analisa além da simples soma das emissões, e é observada de maneira mais profunda a situação de cada nação, é possível perceber como cada país acaba contribuindo de maneira distinta para o agravamento da crise climática. Enquanto grandes potências poluem, sobretudo, pela queima de combustíveis fósseis, nações como o Brasil, 6º colocado no ranking mundial, acabam saindo desse padrão por ter como principal causador das emissões a transformação de ecossistemas naturais. Isso ocorre, especialmente, pelo desmatamento e mudanças no uso da terra, que respondem, segundo dados do SEEG de 2023, por 42,2% das emissões do país.

Cenário brasileiro

Cada região se destaca por ter um setor que mais contribui para as emissões. No Norte e Nordeste, a principal fonte de gases de efeito estufa é a mudança no uso da terra, causada principalmente pelo desmatamento. No Centro-Oeste e Sul o peso recai majoritariamente sobre a agropecuária, especialmente pela fermentação entérica (processo de digestão de ruminantes que liberam CH₄) e pelo manejo do solo. Já o Sudeste se difere das demais, tendo o setor de energia, marcado pela alta concentração urbana e industrial, liderando as emissões.

Ao analisar a situação nacional, os números mostram que o aquecimento global não é apenas uma projeção, mas sim um processo mensurável e desigual entre as regiões do país. O gráfico de emissões brutas evidencia de maneira clara essa situação. Desde o início dos anos 2000, o Centro-Oeste e, especialmente, a região Norte apresentaram oscilações muito maiores que as demais regiões, que permaneceram relativamente estáveis.

Isso faz com que venha o questionamento: por que as curvas sobem e caem tanto ao longo dos anos? A resposta está ligada diretamente ao setor que mais contribui para a emissão em cada região do país.

A disparada dos anos 2000 e a queda até 2010

Entre os anos de 2000 e 2004, as emissões na região Norte e Centro-Oeste tiveram um salto considerável, com o Norte chegando a um pico de 1.172 Mt (Megatoneladas) de CO₂ e em 2004, e o Centro-Oeste ultrapassando 900 Mt. Essa explosão foi causada, principalmente, pelo avanço da fronteira agrícola e o auge do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.

De acordo com relatórios do SEEG e INPE, entre 2002 e 2004 aconteceu uma grande expansão da agropecuária nesses dois biomas, houve o aumento expressivo da grilagem, ampliação do uso de fogo como uma técnica de manejo e houve o crescimento do mercado internacional de soja e carne, o que impulsiona a demanda por terra.

Já entre o período entre 2005 e 2012, o Brasil viveu o período de maior redução do desmatamento da Amazônia em toda a série histórica. Segundo o INPE, o desmatamento caiu cerca de 83% nesse período, foram criadas áreas protegidas, o embargo a propriedades desmatadas de maneira ilegal foi ampliado e houve a implementação do PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia), aumentando a fiscalização.

A retomada do desmatamento após 2018 e a situação atual 

A partir de 2018, as curvas voltam a subir, com destaque para a região Norte saltando novamente para emissões acima de 900 Mt. Esse salto coincide com o enfraquecimento da fiscalização ambiental federal, a redução de operações do IBAMA, e uma maior incidência  de queimadas.

Em 2023 e 2024 os números registraram uma nova queda pela retomada das operações de fiscalização federal, redução de 50% no desmatamento da Amazônia em 2023, segundo o Deter/INPE, e a recuperação parcial de áreas degradadas.

Perspectivas futuras

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estudou os cenários futuros e existe mais de 50% de chance de que o aumento da temperatura global ultrapasse 1,5ºC entre 2026 e 2040.

Segundo o Painel, se o planeta seguir o caminho de alto carbono, o aquecimento global poderá subir para 3,3-5,7°C acima dos níveis pré-industriais no final do século. A título de comparação, o mundo não experimentou um aquecimento global de mais de 2,5°C nos últimos 3 milhões de anos.

O que os números revelam é aquilo que milhões de brasileiros já dizem nas ruas: o clima mudou, e mudou rápido demais. As oscilações das emissões nas últimas décadas explicam parte desse processo, mas o que se sente nas ruas, no ônibus abafado, na sala de aula, na dificuldade de dormir, mostra que o aquecimento global deixou de ser uma estatística e se tornou rotina. 

A experiência de Rian, assim como tantas outras histórias espalhadas pelo país, ajuda a traduzir o impacto que grandes setores que, de norte a sul, emitem gases de efeito estufa, contribuem para o aquecimento global e redesenham a vida cotidiana. O vem pela frente ainda é incerto, mas os sinais já aparecem, os dias mais quentes, o ar mais pesado, as estações irregulares. O futuro depende das decisões individuais e coletivas e, principalmente, daquelas que movem as grandes estruturas econômicas que moldam o funcionamento do planeta.

Redação: João Fellone, Victória Valim
Entrevistas: Dênis Paulo, Luiz Felipe Alves e Mariana Mairink

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