Semeando Resistência

A revolução alimentar no assentamento Olga Benário

O coletivo Olga Benário trabalha com a perspectiva de revolucionar a alimentação dos integrantes que vivem no assentamento em Visconde do Rio Branco, MG

Pessoas em comemoração dos 17 anos do assentamento Olga Benário do MST-MG, em 2022. Na foto, há diversas crianças, com brinquedos e balões pelo quintal.
Comemoração dos 17 anos do assentamento Olga Benário do MST-MG, em 2022. Foto: Instagram mst_mg.

O assentamento Olga Benário, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Minas Gerais (MST-MG), promove mudança de hábitos alimentares para moradores locais. Em 2025, a organização comemora 20 anos de ocupação do território, localizado no município de Visconde do Rio Branco.

São aproximadamente 60 famílias assentadas, que cultivam saberes e tradições, principalmente alimentares. Para os organizadores, o acesso à terra sempre foi um privilégio de poucos, desde o período colonial. Historicamente, direitos dos povos indígenas, quilombolas e camponeses são negados, mas eles seguem resistindo para manter seus territórios e modos de vida.

O MST

Bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Fonte: mst.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, mais conhecido como MST, é uma iniciativa coletiva na luta pela reforma agrária e pelo acesso à terra para mais de 450 mil famílias brasileiras. Ele visa implementar a Reforma Agrária e um Projeto Popular para o Brasil.

De acordo com a Oxfam Brasil (unidade nacional do movimento que luta contra desigualdade no mundo), menos de 1% das propriedades agrícolas retém quase metade de toda área rural brasileira. Em um país onde a concentração de terras é um problema velado pelos interesses das grandes indústrias, a luta pelo direito à terra se torna símbolo de resistência.

O assentamento

Pessoas da comunidade do assentamento Olga Benário do MST-MG, durante reunião conjunta, em 2024.
Reunião da comunidade do assentamento Olga Benário do MST-MG, em 2024. Foto: acervo pessoal do deputado estadual Leleco Pimentel (PT-MG) no Instagram.

Na Zona da Mata de Minas Gerais, mais precisamente no território rural da cidade de Visconde do Rio Branco, o assentamento Olga Benário cultiva uma história de luta e resistência. Fundada em 2005, a comunidade é um lugar onde a alimentação agroecológica se mantém firme, mesmo com as dificuldades enfrentadas durante os anos.

De acordo com a Associação Brasileira de Agroecologia, a ABA, a agroecologia é definida como ciência, movimento político e prática social e que também traz um enfoque científico, teórico, prático e metodológico. A orientação é desenvolver sistemas agroalimentares sustentáveis em todas as suas dimensões. Esse sistema busca produzir alimentos de forma que respeite o tempo da natureza e eleve as culturas locais.

A alimentação e os saberes camponeses são pontos muito trabalhados no MST. Atualmente, no Olga Benário e em outros assentamentos da região, uma metodologia chamada De Camponesa a Camponês está sendo implementada. Ela funciona como uma transição para a agroecologia, já que compartilha a realidade de várias pessoas que vivem do modo camponês no movimento.

Transição para a agroecologia

Essa mudança não é um caminho individual, mas sim um movimento da comunidade. A professora e pesquisadora do Departamento de Agronomia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Irene Maria Cardoso, destaca um ensinamento sobre esse modo de produção.

Segundo ela, a transição para a agroecologia é infinita. Uma pessoa só entra nesse processo no momento em que o coração pede uma outra forma de se relacionar com a natureza e se inquieta e fala: “Eu quero mudar“. Essa forma de produção é uma alternativa para ter uma maior qualidade tanto na alimentação, quanto no dia a dia.

O MST luta pela agricultura familiar, que produz alimentos nutritivos e sem defensivos agrícolas. A professora mostra indignação ao uso dessas substâncias: “A gente não consegue pensar na produção de alimentos sadios sem pensar nos princípios agroecológicos. E sem alimentos sadios não tem saúde, nem dos seres humanos e nem dos outros seres.”

Trabalho cooperativo da comunidade

Mutirão de trabalhadores em torno de uma pequena plantação de hortaliças, provavelmente alface.
Foto: acervo da Rede Agroecológica Raízes da Mata, disponível no site da Articulação Nacional de Agroecologia.

As cooperativas presentes nos assentamentos trazem o sentido de coletividade do movimento, pois cada um oferece o seu melhor nas condições que possui. A produção, que também é consumida dentro da comunidade, aflora um sentimento de amor e preocupação com o próximo.

Valdinei Artur Siqueira, membro da cooperativa do Olga Benário, tem uma visão positiva de se alimentar do cultivo sustentável. “O assentamento e o MST já têm o hábito de produzir utilizando uma perspectiva agroecológica. Então, o fato de consumir aquilo que a gente produz fortalece ainda mais essa necessidade de criar formas diferentes de produzir, que não sejam à base de medicamento excessivo.”, relata Valdinei.

Os moradores da comunidade classificam o plantio como uma ‘terapia’. Quando produzem e colhem um alimento, eles compartilham uma história de vida: a história de muitas famílias que vivem de esforço, suor e dedicação.

O trabalho não para

Relógio ao centro de um prato, que por sua vez está envolto de diversos alimentos naturais. A imagem simboliza o impasse entre comer bem e possuir o tempo necessário para cozinhar bons ingredientes.
Tempo vs. boa alimentação. Fonte: Artrite Reumatoide.

Apesar dos resultados obtidos, a luta pela alimentação agroecológica às vezes é ofuscada por uma sociedade sem tempo para distinguir um alimento de qualidade de outro que foi pensado para ser preparado em 3 minutos. Carolina Rodrigues Gomes é membra do setor de Cultura do MST da Zona da Mata mineira e compartilha sua insatisfação com essa realidade.

“É uma competição muito grande com essa sociedade que valoriza a rapidez na alimentação, que tudo é ultraprocessado […]. Então, tem aí também muita influência dessa cultura alimentar […]. Mas a gente vem combatendo isso. Na verdade, lutando contra isso. Porque a comida ultraprocessada, a gente fala que não é comida de verdade. Quem põe comida de verdade na mesa é o agricultor familiar”, disse Carolina.

Mudança de hábitos

Comidas de diversos tipos sob uma superfície. À esquerda, alimentos ultraprocessados; à direita, alimentos oriundos da agricultura familiar.
À esquerda, alimentos ultraprocessados; à direita, alimentos provenientes da agricultura familiar. Foto: Tainá Alimentos.

Mãe solo e filha de assentado, Neide Ferreira Lopes vive há 11 anos no Olga Benário. Grande parte da sua vida foi resumida a uma alimentação totalmente industrializada, muitas vezes pela falta de tempo no dia a dia. A mudança para o assentamento transformou suas refeições e foi lá que ela descobriu uma vasta cultura de alimentos produzidos na comunidade.

“Eu usava suco de saquinho, eu ia fazer compra, eram 30 pacotes de suco, um por dia. Tempero era um de cada sabor, eu era viciada. Hoje, se você entrar na minha cozinha, você não vai ver isso. […] Eu cheguei, eu agarrei nelas, eu queria aprender a fazer pão, porque eu precisava alimentar os meus meninos, precisava fazer alguma coisa. Eu não sabia fazer. Ou eu ia para a rua comprar um monte de pacote de biscoito, ou eu aprendia a fazer. […] Então, a minha alimentação lá era coisa industrial. Hoje eu não compro, eu faço, conta Neide.

Ela também destacou a diferença de trabalhar sozinha e como poder contar com mais pessoas na cooperativa faz a diferença. Neide complementa dizendo:  “Os coletivos do plantio do feijão são lindos […]. Aí, no coletivo, você tem 15, 16 mãos para te ajudar… Então, você entende que as coisas fluem com mais facilidade”, completa a moradora.

O papel do poder público

Deputado federal Padre João e deputado estadual Leleco Pimentel em visita ao MST-MG, em Visconde do Rio Branco. Além deles, duas moradoras do assentamento estão presentes na foto.
Deputado federal Padre João e deputado estadual Leleco Pimentel (ambos PT-MG) em visita ao MST, em Visconde do Rio Branco. Foto: acervo pessoal do deputado Leleco Pimentel no Instagram.

No âmbito governamental, as políticas públicas são essenciais para manter o funcionamento desse movimento, porém é de suma importância implementar ações eficientes para a realidade das comunidades do MST.

Mesmo que uma cooperativa produza alimentos, muitas vezes a prática sem os maquinários necessários se torna desanimadora. Nesse sentido, o deputado federal Padre João (PT-MG) incentiva a criação de políticas que ajudam essa causa.

“A gente procurou ajudar a parte da regularização. Ajudamos também com equipamentos, porque não resolve ter acesso à terra, se não tem condições de produzir. Condições de produzir é com equipamentos, como trator, implementos… E lá, pelo nível de organização, a gente também pode ajudar com esses equipamentos para deixar o trabalho menos penoso, menos sofrido.”, disse o deputado.

Agronegócio e mudanças climáticas

O agronegócio compromete os ecossistemas globais quando é feito sem controles rígidos de produção.
O agronegócio compromete os ecossistemas globais quando é feito sem controles rígidos de produção. Fonte: Jornal Grande Bahia.

A agroindústria brasileira se mantém baseada em uma política de exportação muito forte, em que produzem em regime de monocultura e exportam para outros países. Dessa forma, como é necessário gerar lucro imediato, as empresas se voltam para o uso de agrotóxicos, que contaminam a diversidade os ecossistemas presentes no solo e nas águas.

A agricultura familiar se sustenta em outros pilares, o foco é colocar alimento de qualidade nas mesas de milhões de brasileiros. De acordo com dados do IBGE e CONTAG,  cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil vêm da agricultura familiar. Em 2020, durante a pandemia, o MST doou 20 toneladas de arroz orgânico para comunidades carentes do Rio Grande do Sul e São Paulo, além de outros alimentos.

O assentamento Olga Benário produz anualmente altas quantidades de feijão orgânico. Neste ano, o plantio foi de 16 hectares, uma diminuição com relação ao ano de 2024, em que 30 hectares foram plantados. A causa dessa queda é multifatorial, mas Valdinei Siqueira afirma que o motivo foram as mudanças climáticas que desencorajaram as famílias no cultivo.

Cada ano que passa o uso dos agrotóxicos torna-se cada vez mais insustentável. No Brasil, a média de uso por hectare é 10,9 kg, enquanto os EUA usam 2,8 kg/ha e a China, 1,9 kg/ha, isso segundo dados da FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. A utilização também impacta significativamente a saúde, podendo afetar o sistema imunológico, nervoso e hormonal, além do risco de câncer.

Texto por Mariana Mairink.

Sugestão de podcast para você aprofundar no assunto:

A autoria da atividade é de Luiz Felipe Alves (102758) e Mariana Mairink (116524). Link para acesso ao arquivo original

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