Sudeste vive reconfiguração religiosa, e Rio de Janeiro se destaca pela maior diversidade

Avanço evangélico, força das religiões de matriz africana e contrastes raciais marcam a nova paisagem espiritual dos estados.


A religião molda grande parte do imaginário brasileiro e está presente no cotidiano da maioria das famílias. Segundo o Censo do IBGE de 2022, aproximadamente 90,55% da população brasileira declara ter uma religião.

O país abriga uma ampla diversidade religiosa, composta por tradições bem estabelecidas, como o catolicismo, as denominações evangélicas e as religiões de matriz africana, entre elas, a umbanda e o candomblé. A fé influencia profundamente as identidades regionais, como em Minas Gerais, onde muitas cidades são reconhecidas mundialmente por suas igrejas históricas e monumentos católicos.

Foto de Andre Moura

Essa pluralidade também se expressa em outros estados. No Rio de Janeiro, por exemplo, há uma forte presença das religiões de matriz africana, marcadas por resistência cultural e grande relevância social. Sobre esse cenário, o padre Jean Lúcio, atuante na cidade de Mariana, explica que, no estado, “as expressões religiosas de matriz africana continuam fortes, assim como o catolicismo, mas ambas vêm perdendo espaço para o crescimento do pentecostalismo”. Segundo ele, esse movimento “forma uma terceira via de convivência religiosa” e revela um cenário de mudanças intensas na paisagem espiritual fluminense.

Entrevistado: Padre Jean Lúcio
Imagem: Acervo pessoal

Jean Lúcio também destaca que esse avanço evidencia o aumento da intolerância religiosa, especialmente contra religiões de matriz africana:

“Seguem muito presentes, mas frequentemente enfrentam pressão social e isolamento nos espaços onde há uma religiosidade mais acentuada”.

A diversidade religiosa no sudeste

 A diversidade religiosa do Rio de Janeiro se revela ainda mais expressiva quando comparada aos outros estados do Sudeste. Embora o catolicismo ainda seja numericamente relevante em toda a região, o avanço das igrejas evangélicas sobretudo pentecostais redesenha o mapa espiritual do Sudeste de forma acelerada.

O gráfico abaixo retrata a diversidade religiosa registrada no estado do Rio de Janeiro, de acordo com o Censo do IBGE de 2022, onde foram analisadas pessoas de 10 anos ou mais de idade, por cor ou raça, segundo o sexo e a religião.

Imagem: Acervo pessoal.

No Rio de Janeiro, os evangélicos já somam 4,52 milhões de fiéis, número muito próximo ao de católicos, que totalizam 5,50 milhões no estado . Essa proximidade coloca o Rio como um dos estados onde a disputa entre as duas maiores forças religiosas do país se mostra mais equilibrada.

A presença das religiões de matriz africana também distingue o território fluminense. O Rio concentra 365 mil praticantes de Umbanda e Candomblé, número consideravelmente superior ao encontrado em Minas Gerais (89 mil), Espírito Santo (14 mil) e, proporcionalmente, até mesmo em São Paulo, que apesar de ser maior em população, registra 576 mil praticantes, mas com peso percentual menor . Esse protagonismo reforça o caráter identitário dessas tradições no estado, ao mesmo tempo em que evidencia a persistência da intolerância religiosa, como apontado pelo padre Jean Lúcio na introdução.

Foto de Vinícius Vieira

O avanço evangélico no Sudeste: quem mais cresce?

Os dados mostram que o crescimento evangélico ocorre em todos os estados do Sudeste, porém com intensidades diferentes. Em termos absolutos, São Paulo lidera com 10,7 milhões de evangélicos, seguido por Rio de Janeiro (4,52 milhões) e Minas Gerais (4,48 milhões), estes dois praticamente empatados. O Espírito Santo, embora menor, apresenta um número expressivo proporcionalmente à sua população: 1,18 milhão de evangélicos .

Contudo, ao analisar proporcionalmente, o Espírito Santo e o Rio de Janeiro apresentam uma dinâmica distinta. No território capixaba, quase 35% da população se declara evangélica. No Rio, o percentual é semelhante, mas com uma particularidade: há um crescimento mais forte entre pessoas negras e pardas. No Rio de Janeiro, entre os evangélicos, mais de 2 milhões são pardos e 870 mil são negros praticamente o dobro dos católicos pretos, que somam 729 mil . Esse recorte racial evidencia o papel central das periferias urbanas e dos bairros populares na expansão pentecostal.

A análise por raça revela contrastes regionais importantes

 No Rio de Janeiro, os evangélicos pardos (2,05 milhões) e pretos (870 mil) superam numericamente, dentro desses grupos raciais, os católicos, demonstrando uma mudança de identidade religiosa especialmente forte entre populações afrodescendentes .

Foto de Wendy van Zyl

 Em Minas Gerais, embora o catolicismo ainda seja majoritário, o avanço evangélico também é mais forte entre pessoas pardas (2,31 milhões), que já se aproximam do número de católicos pardos (5,17 milhões), indicando uma migração gradual, porém constante.

 No Espírito Santo, a tendência se repete: os evangélicos pardos (622 mil) representam o maior contingente religioso na categoria, superando inclusive o número de católicos pardos (722 mil), e compondo uma parcela altamente representativa da população total do estado.

 Em São Paulo, apesar do grande número absoluto de católicos brancos (12,6 milhões), o grupo evangélico cresce rapidamente entre pardos (4,18 milhões) e pretos (1,10 milhão), reforçando que o movimento pentecostal se amplia principalmente entre grupos racializados e de maior vulnerabilidade socioeconômica.

O recorte por sexo também revela padrões significativos

Em todos os estados do Sudeste, as mulheres são maioria entre os evangélicos.

Foto de RDNE Stock project

No Rio de Janeiro, por exemplo, são 2,54 milhões de mulheres evangélicas, contra 1,98 milhão de homens.

Já entre católicos, a diferença entre homens e mulheres é mais equilibrada, reforçando que o crescimento evangélico possui forte componente feminino tendência observada também em pesquisas nacionais.

Esse fenômeno pode estar relacionado a fatores comunitários, participação em grupos de apoio, redes de cuidado e presença feminina nas atividades cotidianas das igrejas pentecostais.

A comparação entre os quatro estados evidência

Imagem: Acervo pessoal

São Paulo permanece como o maior pólo católico em números absolutos, mas vê expansão acelerada do pentecostalismo.

O Rio de Janeiro se destaca pela pluralidade, com forte representatividade das religiões afro-brasileiras e disputa acirrada entre católicos e evangélicos.

Minas Gerais conserva seu legado católico, mas com crescimento evangélico consistente, sobretudo em regiões metropolitanas.

 O Espírito Santo desponta como um dos estados mais evangélicos proporcionalmente em todo o país.

Conclusão

Observando as análises pontuadas neste texto e com base na entrevista realizada com Jean Lucio, podemos perceber que, mesmo com o crescente número de pessoas evangélicas, é possível notar que o Rio de Janeiro ainda se mantém plural em relação à diversidade religiosa. No entanto, o padre destaca a importância do diálogo para que essa pluralidade possa, de fato, se concretizar.

Imagem de freepik

Como ele mesmo afirma, sem diálogo não existe convivência possível entre as diferentes expressões de fé: “você fere qualquer pessoa na sua cultura, acabou o diálogo. Infelizmente, a religiosidade gosta muito de ferir o outro na sua cultura. […] Então, vocês, que são novos na comunicação, tenham coragem de escrever. Levantem, sobretudo, a bandeira da necessidade do diálogo. Sem essa necessidade do diálogo, nós vamos ter problemas sérios com relação à dimensão da religiosidade.”

Desse modo, sua fala reforça que somente por meio da escuta, do respeito e da construção de pontes entre diferentes tradições religiosas será possível sustentar uma convivência harmoniosa e verdadeiramente plural.


Fonte: Censo do IBGE 2022 – Tabela 6417

Planilha utilizada tratada: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1wmaWlzODyPjl4UDLqJ6NWqMExB7_8pGD9HeQQo_64Bw/edit?usp=sharing

Autores: Beatriz Miranda Schuab (108483), Cecilia Ribeiro (108476) e João Victor Dias Ribeiro (108493).

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