Acidentes em Viçosa revelam falhas estruturais, distrações ao volante e trechos urbanos que se tornaram pontos permanentes de risco.

Congestionamento na Avenida Marechal Castelo Branco. Imagem: Folha da Mata
Por Ana Luisa Rodrigues, Elice Gomes e Evelyn Sabino
Entre 2015 e 2025, mais de quatro mil pessoas ficaram feridas em acidentes de trânsito em Viçosa. A Avenida Marechal Castelo Branco e a MGC-120 concentram os maiores números, enquanto a “falta de atenção” lidera as causas. Automóveis são os veículos mais envolvidos.
Os pontos mais perigosos de Viçosa escancaram o problema
A rotina de deslocamentos em Viçosa esconde uma estatística que revela um cenário persistente de risco. Entre 2015 e 2025, os acidentes com vítimas somam centenas de feridos todos os anos e continuam moldando o perfil da mobilidade urbana local. Dados extraídos do painel Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais mostram que os automóveis são responsáveis pela maior parte dos acidentes com vítimas, com 1.979 registros, seguidos pelas motocicletas, com 1.008. Esse levantamento evidencia a fragilidade desse grupo e o alto índice de colisões envolvendo condutores expostos.
Os locais onde esses acidentes acontecem reforçam essa realidade. A Avenida Marechal Castelo Branco, uma das vias mais movimentadas da cidade, concentra 240 vítimas, enquanto a MGC-120, rodovia que corta parte da área urbana de Viçosa, registra 196. Nas duas vias, convivem tráfego intenso, fluxos misturados de carros, motos, pedestres e ciclistas, além de situações como velocidade elevada e sinalização insuficiente.
A concentração de acidentes não se explica apenas pelo volume de veículos. A Castelo Branco, uma das portas de entrada de Viçosa e conexão entre bairros centrais, região comercial e a Universidade Federal de Viçosa (UFV), combina faixas estreitas, falta de organização entre os modais e travessias pouco estratégicas, criando um ambiente propício a acidentes. Já a MGC-120 apresenta velocidade alta, curvas longas e circulação que mistura tráfego local com trânsito de passageiros, o que ajuda a explicar por que esses dois corredores lideram o número de vítimas.
Gráfico ilustrando as avenidas com maior número de acidentes em 2025.
Essas condições estruturais dialogam diretamente com a principal causa registrada nos boletins: a “falta de atenção”. Segundo o especialista em Segurança do Trabalho e Transportes, professor da Universidade Federal de Viçosa, Dr. Taciano Oliveira da Silva, o problema costuma estar associado a distrações externas ao trânsito. “A atenção do condutor, que deveria estar direcionada à via, acaba voltada para outro fim. Muitas vezes é o celular, seja conversando, seja respondendo mensagens, ou até o diálogo com o passageiro. Hoje, com a dinâmica dos aplicativos de comunicação, o celular é um dos vilões mais comuns”, afirma.
Ele explica que, no caso das motocicletas, há padrões específicos. “Os acidentes de moto estão muito vinculados a conversões proibidas, principalmente à esquerda, e também à alta velocidade”, diz.
O impacto dessas estatísticas se reflete no cotidiano de quem depende do trânsito da cidade. Entregadores relatam que o risco de acidentes é constante e, quando ocorre uma queda ou colisão, existe a possibilidade de precisarem se afastar do trabalho, o que pode comprometer a renda. A falta de pontos seguros para parada também os deixa vulneráveis durante todo o expediente. Como lembra o entregador Jomar Presmic:
“O trânsito em Viçosa não é seguro para ninguém, pedestres, ciclistas, motoristas e muito menos motociclistas”, afirma. Segundo ele, as condições das vias agravam os riscos: “São poucas ruas asfaltadas, há muitos trechos com bloquete mal assentado, vias de pedra, restos de obras, areia, entulho, iluminação insuficiente e sinalização ruim. Além disso, o espaçamento das vias é péssimo e falta acostamento. A estrutura viária de Viçosa é muito deficiente”.
Ao longo dos anos, o comportamento dos números mostra oscilações importantes. Os acidentes com vítimas caíram significativamente em 2020, ano marcado pelas restrições de circulação impostas pela pandemia. Com aulas suspensas na UFV, redução de eventos e menos veículos nas ruas, o fluxo diminuiu e as colisões acompanharam essa queda. Mas a retomada das atividades a partir de 2021 fez os registros voltarem a subir, atingindo 445 vítimas em 2023, o maior número da série. Em 2025, até o último mês completo, os dados apontam 246 registros, uma redução percentual em relação ao mesmo período de 2024, mas que ainda deve ser analisada com cautela por se tratar de um ano em andamento.
Gráfico ilustrando os lugares com maior número de acidentes desde 2015.
Para reduzir acidentes nos trechos mais críticos, o especialista afirma que as prioridades são claras. “É preciso intensificar a sinalização horizontal e vertical e promover intervenções de infraestrutura que impeçam conversões proibidas. Redutores de velocidade, possivelmente radares, também seriam medidas eficazes”, afirma.
Segundo ele, além de organizar o fluxo, essas intervenções “reeducam o usuário da via, muitas vezes por meio da punição, já que o radar gera autuação e multa”.
A análise dos dados, entretanto, não revela todas as vulnerabilidades. “Viçosa tem muitos veículos para vias limitadas. E, no caso das motocicletas, há uma parcela grande dos acidentados composta por entregadores, em geral jovens. O rendimento deles depende do número de viagens, e muitos não percebem o risco real de lesões graves, mutilações ou até óbito, às vezes por uma corrida de 15 ou 20 reais”, comenta.
Sobre as vias mais críticas, ele reforça que a Avenida Marechal Castelo Branco tem particularidades que influenciam no risco. “O problema da Marechal é o canteiro central, que impede conversões proibidas, mas também cria barreiras físicas. Como é uma via arterial, o redutor ideal seria o radar. As travessias elevadas não funcionam como barreira para motociclistas, que acabam passando por cima”, explica.
Para ele, a solução passa por um conjunto de medidas bem direcionadas. “Campanhas educativas, políticas públicas de educação para o trânsito, barreiras que impeçam conversões proibidas e redutores de velocidade. A combinação entre análise de dados e observação de campo ajuda a direcionar essas intervenções para os pontos onde elas realmente reduzem o risco”, conclui.
Metodologia
Os dados utilizados foram extraídos do painel Power BI do Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais, filtrados exclusivamente para acidentes com vítimas na cidade de Viçosa, Minas Gerais, entre os anos de 2015 a 2025. As tabelas foram coletadas a partir do arquivo “Microsoft Power BI bf.pdf”, disponibilizado para a reportagem.