Educação e comércio varejista lideram empregos em Viçosa e revelam uma dependência direta do fluxo estudantil.
por Kayky Mayron e Rafael França
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Na Boca do Povo
A cidade de Viçosa é conhecida nacionalmente como uma cidade universitária, isso significa que anualmente o fluxo de estudantes se renova com pessoas de todo o país para preencher os espaços ofertados pelas universidades, sobretudo a Universidade Federal de Viçosa – UFV, que é a que mais se destaca. Por conta disso, no cotidiano surgem hipóteses sobre a dependência que a cidade tem da comunidade acadêmica.

Em termos econômicos, isso significa que a principal fonte de renda que faz a economia da cidade girar está diretamente relacionada à presença numericamente expressiva dos estudantes, que possuem suas necessidades atendidas pelos diversos setores econômicos que surgem em decorrência dela. Mas será que essa tendência faz mesmo com que Viçosa dependa dos estudantes, servidores e professores da UFV?
Procuramos responder esta pergunta com base em dados que indicam o fluxo de empregados nos diversos setores econômicos que existem na cidade, uma vez que quanto mais pessoas estão empregadas em um setor, mais necessário ele se faz para a sociedade, logo, mais importante ele é para movimentar a economia da cidade.
Sobre os Dados
Os dados obtidos para embasar esta reportagem estão todos disponibilizados publicamente pelo Observatório Setorial Territorial (OST) do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), no período compreendido entre 2016 e 2024.
A plataforma OST busca disponibilizar as informações relevantes e estratégicas aos ambientes de pequenos negócios no território brasileiro, na ideia de que estes dados serão úteis para a melhor resolução de problemas, promoção de inovações e identificação de novas oportunidades, dessa forma, aumentando a competitividade.

O Sebrae contabiliza todos estes dados por meio de diversas fontes, sendo estas, órgãos oficiais estatais com especializações diversificadas na apuração e gestão pública de dados, dentre os quais podemos citar: Relação Anual de Informações Sociais – RAIS; Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP; Receita Federal – RF; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; Dados de Crédito de Pessoa Jurídica do Banco Central; Ministério do Turismo – Chegadas Internacionais e Mapa do Turismo; Complexidade Econômica; Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC; cinco pesquisas diferentes sobre e-commerce: NeoTrust, Webshoppers, Conversion, BigDataCorp e NuvemShop; Índice Sebrae de Desenvolvimento Econômico Local – ISDEL; Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS; Pesquisa da Pecuária Municipal – PPM; Produção Agrícola Municipal – PAM; gastos governamentais do Rio Grande do Sul; Banco Central do Brasil (BCB); Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro – SICONFI; Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura – PEVS; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD; Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome – MDS e o Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
O Observatório Sobre Viçosa
Ao analisar os dados sobre a cidade de Viçosa no site, consultamos a planilha Empregados por Setor Econômico Viçosa MG, e nela se constata que educação e comércio varejista sempre foram os setores predominantes, com destaque maior para a educação no período de 2016 a 2018, seguido de uma queda brusca em 2019, devido ao advento da pandemia.
Naquele ano, o comércio varejista se sobressaiu, porém nos anos de 2020 e 2021, o setor de administração pública, defesa e seguridade social foi o principal, muito por conta das medidas de assistência financeira governamental vigentes. Em 2022, a educação retorna ao posto de setor com mais empregabilidade, e no ano passado o comércio varejista cresceu em empregados e mais uma vez tomou o lugar da educação neste “pódio”, vide o gráfico a seguir:
É interessante perceber como, mesmo com todas as variações inesperadas no período da pandemia, neste recorte de tempo, o comércio varejista empregou mais, com o setor da educação com números muito próximos.
E Quanto a Minas?
Em paralelo à situação econômica de Viçosa, o seguinte gráfico demonstra os setores com maior número de empregados do Estado de Minas Gerais, de acordo com a planilha Empregados por Setor Econômico MG:
No caso do Estado, é muito mais visível como o comércio varejista é dominante neste recorte de tempo, e mesmo com a pandemia, o índice de empregabilidade no setor não diminuiu drasticamente como em Viçosa.
Em relação ao setor de educação, nota-se como não é um setor que emprega tanto nas proporções estaduais como emprega em Viçosa, muito pelo fato de Minas Gerais ser o Estado com maior número de municípios no país, e destes, apenas uma pequena parcela ser composta por cidades universitárias como Viçosa.
Palavras do Especialista
Para explicar melhor essas tendências e fenômenos que alavancam tanto o setor de comércio varejista na cidade, o professor Jáder Fernandes Cirino, do Departamento de Economia da UFV, nos concedeu informações e comentários que dão mais luz à questão.
Jáder deixa claro as origens da ampliação do setor e as correlaciona com o período de expansão da universidade, confira no vídeo abaixo:
Ainda segundo ele, a própria UFV, além de contribuir para o surgimento de muitos empregos no setor da educação para si, também alavanca outras oportunidades de crescimento dos setores ao entorno, como aconteceu com o próprio setor educacional por outras instituições.
Através dos dados já vistos e das falas do professor, é possível estabelecer uma relação de dependência dos setores econômicos mais movimentados da cidade com a presença da UFV, visto que estes não seriam tão impulsionados sem a presença da universidade.
Entretanto, existem também os períodos de sazonalidade que interferem na dinâmica de atividade econômica desses setores, e acompanhados destes períodos emergem seus riscos e benefícios, o Professor Jáder também os comenta:
Como citado anteriormente, Minas Gerais não possui o setor da educação como um dos maiores em empregabilidade em relação aos outros setores, porém Viçosa tem essa particularidade de não possuir o setor industrial tão avançado para gerar mais oportunidades e movimentar outras áreas.
Em cima disso, Jáder relaciona Viçosa com outras cidades do Estado e explica como essa dinâmica particular de cidades universitárias acaba sendo aproveitada para que se predominem as micro e pequenas empresas:
Com a expansão da universidade por meio da criação de novos cursos, Jáder conclui dizendo que a tendência é que ambos os setores mais dominantes (educação e comércio varejista) não demonstrem instabilidade, pelo contrário, a ideia é que aumentem para estarem sempre acompanhando esse crescimento da população universitária.
A Vivência do Comerciante Varejista
Para melhor compreensão do dia a dia do setor de comércio varejista diante do fluxo da comunidade acadêmica pelas ruas de Viçosa, Lucas Anício de Souza Alves, atual proprietário do bar Santa Dose, localizado na Avenida Santa Rita (muito conhecida pelo fluxo constante dos estudantes universitários nos finais de semana), nos trás um panorama de como os negócios estão diretamente ligados com a UFV:
A sazonalidade, fator crucial para os comerciantes se precaverem e se planejarem para a diminuição do fluxo de clientes também é citada por Lucas, bem como os impactos que uma possível greve pode causar aos negócios:
Em contrapartida, eventos universitários que estimulam e aquecem o setor de comércio varejista também se fazem presentes em determinadas épocas do ano, Lucas também discorre sobre a importância deles:
Logo, podemos concluir que no nível das experiências dos comerciantes varejistas, a presença da UFV é reconhecida como um fator muito determinante para a criação e manutenção de um negócio na cidade de Viçosa, ainda que certos negócios possam se manter sem a presença da comunidade universitária, sua existência estimula muito o setor, por conta disso, como citado anteriormente, os micro e pequenos empresários se fazem muito presentes na cidade.
Um Problema Político e Econômico
Mesmo com toda esta importância, os números que expressam a comunidade universitária por vezes foram historicamente desconsiderados por órgãos importantes do governo, desencadeando um grande problema na economia do município.
Segundo os meios de comunicação oficiais da Prefeitura de Viçosa, a cidade, que abriga uma expressiva população universitária (em torno de 20 mil), também conhecida como população flutuante (que exerce uma forte influência na economia local), não fazia parte da contabilização dos habitantes realizada pelo IBGE.
Este erro gerava um grande déficit econômico para a cidade, (algo em torno de 7 milhões por ano), já que a verba repassada para Viçosa pelo Fundo de Participação dos Municípios, teve como base uma população de 79.221 habitantes no ano de 2024, o que na realidade, incluindo os universitários, seria algo em torno de 94 a 99 mil habitantes.
Atualmente, essa realidade que já se perpetuava há anos sofreu uma mudança, pois a Prefeitura de Viçosa resolveu recorrer à Justiça Federal para que o IBGE corrigisse a estimativa populacional, desta vez, incluindo a população universitária, o que foi aceito pela Justiça em Setembro deste ano.